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A BARRACA DE DEUS

  



Eu não sei montar barracas. 

Nunca me peça para ir num acampamento com você, por favor. Não me ponha numa situação embaraçosa, e nem se arrisque a passar uma noite inteira tendo como teto apenas as estrelas do céu – pode parecer bonito pensar nisso, mas depois se torna assustador. Seria trágico sair para acampar comigo.

Mas falando nisso, me lembrei de algo. Ouvi dizer que a barraca é uma das invenções mais antigas criadas pelo homem. As provas concretas de sua origem datam das primeiras civilizações, há uns cinco mil anos, na região da Mesopotâmia. 

Você já deve ter ouvido seu professor de história do colegial falar sobre isso – se não dormiu durante toda a aula, é claro – e de como se organizavam essas primeiras cidades. O fato é que a barraca tenha sido, talvez, a primeira casa inventada. 

Temos um claro exemplo disso quando lemos as primeiras páginas de Gênesis, o primeiro livro da Bíblia. Desde a criação do mundo até o povo de Israel entrar em Canaã, o povo hebreu viveu aproximadamente dois mil anos em barracas. 

Pessoalmente falando, acredito que não devia ser muito legal. Penso em Abraão, entrando e saindo constantemente dos lugares onde Deus o mandava ir. Monta barraca, tira barraca. Foi assim até ele finalmente viver na terra ideal. 

Assim foi também com o povo hebreu, depois que foi libertado do Egito pela mão de Moisés. Foram 40 anos ininterruptos no calor do deserto vivendo em tendas, e a própria igreja onde eles congregavam era uma grande barraca chamada Tabernáculo. Ali se faziam muitos rituais que Deus havia ordenado para a religião judaica, desde os mais interessantes de se entender até os mais aparentemente bizarros (leia o livro de Levítico e você vai entender o que eu acabei de dizer). 

Mas o interessante é que, quando Deus ordenou a Moisés para que construísse uma tenda que servisse de igreja ao povo, ele disse o seguinte: 


“E me farão um santuário, para que eu possa habitar no meio deles”. (Êxodo 25:8).


Observe: Deus pede para que Moisés construa uma igreja para ele. Fico imaginando se o Deus cristão fosse como os outros deuses pintados pelas mitologias ao redor do mundo – como os deuses gregos, por exemplo, ou talvez como alguma divindade nórdica – e eu não consigo imaginar nenhum desses deuses barbudos e ditadores falando algo como Deus disse a Moisés. 

Se Deus fosse como eles, ele falaria algo do tipo: “Moisés, me obedeça! Faça para mim um grande palácio, coberto de ouro e de prata, para que eu possa habitar nele!” (Imagine Ele falando isso com uma voz grave de dublador). Perceba que o Deus de Israel, real e muito mais poderoso do que as fábulas gregas ou nórdicas, não pede nada disso. Ele pede para que lhe construam uma barraca. Uma barraca comum, como aquelas onde o povo vive, para que ele possa habitar. 

O que parece, lendo esta declaração, é que Deus não estava se importando onde moraria, desde que morasse no lugar onde os outros moravam. Noutras palavras, queria realmente fazer parte do povo. Ainda que respeitado e temido, queria habitar, no sentido literal, no meio de Israel. 

Milhares de anos depois, na época no Novo Testamento, lemos o que o apóstolo João escreveu logo no início do seu livro: 


“No Princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus. Ele estava no Princípio com Deus. Por ele foram criadas todas as coisas, e sem ele nada do que foi feito se fez”. (João 1:1 e 2).


“E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a do unigênito do Pai, cheio de graça e verdade”. (João 1:14).


Você consegue entender o que leu? Muito tempo depois de Deus ter construído sua barraca – e ser rejeitado pelo próprio povo com o qual veio morar – a mesma coisa se repete, porém agora num sentido muito mais amplo. 

Sem querer entrar muito nas questões da língua grega, preciso mostrar uma coisa importante. Quando João escreveu “o Verbo habitou entre nós”, para a palavra habitar, em grego, ele usou um neologismo com o vocábulo eskénosen, derivado de skené, que literalmente quer dizer “barraca”, “tenda” ou “tabernáculo”. Ou seja: a mesma coisa que Deus fez com Israel, fez com todo o mundo – ele montou uma barraca aqui. Podemos entender então o trecho do capítulo um de João como “e o Verbo se fez carne, e montou uma tenda entre nós”. Deus, transformando-se num ser humano, novamente baixa a Terra e vive conosco, porém agora de forma definitiva. 

Foi para isso que veio Jesus.

Ele, que é a Palavra, a imagem do Deus invisível, veio para o mundo a fim de se fazer um de nós. 

Jesus nada mais é do que Deus com um rosto. “Ninguém nunca viu a Deus; o Filho Unigênito que está no seio do Pai, é quem o revelou” (João 3:10). Ou seja: Jesus veio a Terra justamente para revelar quem é Deus. Ele mesmo afirmou: “Quem vê a mim, vê ao Pai”. (João 14:23). É como se Deus, no afã de querer se revelar aos Seus filhos, desejasse se tornar um deles. 

Imagine só: um grande e poderoso rei, com milhões de súditos que ama de coração, mas que não pode sair do palácio. Sua vontade, entretanto, é falar com o seu povo. 

Mas tenha certeza de que, se o rei resolver sair do palácio, ninguém nem sequer vai se atrever a se aproximar dele. Todos vão temê-lo. Talvez se esquivem quando ele passe, ou se ajoelhem, sem sequer olhar em seu rosto. 

Mas não é isso que deseja o monarca. A única coisa que ele quer é estar com seus filhos, e fazer com que eles o amem de coração – não por sua posição, mas pelo que ele é e pelo que sente por eles. 

Então, um dia, ele tem a ideia de deixar o seu palácio por um tempo, vestir-se de plebeu e morar junto com os seus servos. Tira sua coroa magnífica, seu manto magistral e deixa o seu trono de poder. Troca tudo isso por trabalho duro, uma vida difícil de pobreza e abnegação. 

Mas ele está feliz. Está feliz porque agora pode estar perto de quem ama. Agora seus servos podem também amá-lo, podem tocá-lo, e mesmo sabendo quem ele é o grande rei, não mais sentem medo dele. Pelo contrário: o amam ainda mais. 

É quase impensável que um rei faça isso por seus súditos nos tempos atuais. Hoje, um pouco de posição e poder é capaz de afastar um indivíduo de seus sentimentos mais ternos pelo próximo. Mas o Deus Eterno, o Soberano do Universo, o Rei dos Reis, tornou-se uma humilde pessoa humana, um terráqueo, um pobre carpinteiro, apenas para estar perto de nós. 

Jesus Cristo veio fazer isso aqui. Tornando-se um humano, veio mostrar a real face de Deus. Ainda assim, o que de fato é um grande mistério, jamais deixou de ser Deus. Era Deus-Homem. Uma parte dele era nosso irmão, e outra, nosso Pai. 

O pecado e o mal nos separaram terrivelmente, a raça humana, da presença de Deus – mas não completamente. O coração dEle ainda almeja criar laços com o nosso coração. Sua vontade ainda é a mesma: Ele quer habitar no meio de nós. Quer tanto, que já se tornou um ser-humano, através da pessoa de Jesus Cristo, e ligou-Se a nós numa aliança eterna apenas para nos ter por perto – porque Ele nos ama. 


Você pode achar que está longe de Deus, mas não está. Ele está muito perto de você – bem mais do que imagina. Deus habita com todo aquele que deseja sua presença. E não só habita, mas muda a vida daquele que se submete a Sua boa e perfeita vontade. Está cansado de viver fazendo sempre o errado? Está cansando de ver sua vida destituída de sentido? Saiba que todo aquele que quer a presença de Deus a obtém. Porque Ele está aqui; Ele está no meio de nós.



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