Não havia ninguém como ela. Seu corpo tinha a forma do sol. Seus cabelos brilhavam como as chamas de uma pira, flamejando, lançando faíscas sobre os rostos dos homens. Sua voz era como o murmurejar de um rio caudaloso, e seus olhos, inesquecíveis olhos, profundos e intensos, brilhantes como as águas do oceano, embriagavam a todos que os vissem, levando-os à paixão completa, irresistível e irracional.
Estátuas à sua imagem erguiam-se à esmo nos cidades. Seus templos cheiravam a vinho, e seus altares enfeitados de grinaldas, palmas e madressilvas entorpeciam o ar. Entre as belas colunas das galerias e recâmaras sagradas, homens e mulheres penetravam-se ao som dos tamborins, gemendo, gritando, louvando o nome da deusa do prazer. Seus corpos eram templos sagrados dedicados à Vênus, e o gozo era a maneira com a qual tocavam os intocáveis átrios do infinito.
Naquele frenesi intempestivo que coroava o culto sagrado, a promiscuidade desenfreada se dava sob a sombra dos postes-ídolos da deusa perfeita, em cuja face encontram-se todas as outras deusas passadas e futuras — Astarte, Afrodite, Vênus, Éris, Atena, Hera, Juno, Perséfone, Calíope. A Grande-Mãe, aquela que gerou todas as coisas através de seu sexo; a Deusa Maior, o Eros, Semíramis, a Deusa da Razão; todas elas, embora diferentes, são iguais, e o culto a elas é o mesmo — o culto ao corpo, à beleza, ao prazer. É o torpor que se dá pelo estímulo da mente, das imagens, do vício, do que excita as sinapses, amortece os sentidos e enrijece o corpo.
Ainda estamos na época da barbárie. Não adoramos mais deusas de pedra, mas de metal, de algoritmos, de pixels. Elas não tem carne e nem ossos, mas são virtuais, imateriais, imaginárias. No entanto, são tão reais quanto as deusas do passado. O culto é o mesmo. E os adoradores também.
O sexo protegido entre as pernas agora salta para fora do corpo, subindo à mente, impregnando tudo. Tudo o que vemos leva-nos ao uso desmedido das paixões. “Empodere-se”, “seja”, “liberte-se!” E as imagens vão passando: “siga o seu coração”, “ame-se”, “saia do armário”, “transe”, “beije”, “goze”, “grite”, “esperneie”, “embebede-se.” Quem está dando as ordens? São os deuses de hoje, exatamente como os de ontem. Quem as obedece? São seus adoradores. Mudam-se os tempos, mas não mudam-se os homens. Desejamos as mesmas coisas, e pelas mesmas coisas somos feitos escravos.
O prazer é o sentido de tudo para eles. Ninguém nunca pensa no amanhã — deve-se aproveitar a vida, afinal. Há um poder que os condiciona, que tem ânsia em controlar, e ele o faz através da mente. A quem pertence a mente dos homens? Nenhuma mente é dona dela mesma, mas há sempre alguém que a domina, que lhe impõe pensamentos, ações, desejos. Que deus a controla? A quem ela presta obediência?
Nossas paixões não nos definem. O que sabemos é superior ao que sentimos. Nosso coração é enganoso e nos faz crer que a alegria somente vem do prazer, e o prazer, do pecado. Contudo, o prazer verdadeiro não está no pecado, mas na santidade. O pecado escraviza, destrói e deixa-nos semelhantes aos animais — irracionais, loucos pelo próprio corpo, incapazes de usar a mente para controlar os impulsos, sedentos por satisfazer apetites naturais, mas destrutivos. A verdadeira força e soberania vem do autodomínio, do controle da razão, do não seguir os desejos ao invés de atendê-los. Enquanto o mundo clama por prazer e satisfação, erguendo os pendões dos novos deuses que governam nosso mundo, o Carpinteiro abnegado e casto exige sacrifício e martírio. Ele não diz “empodere-se!”, mas “humilhe-se”, “sirva”, “tome a sua cruz”, “morra”, “entregue-se”, “perdoe”, “dê a outra face”, “negue-se a si mesmo.” Ao contrário dos deuses falsos e pretensos deuses, o Deus de verdade quer nos libertar do que mais nos aprisiona — nossos desejos — e nos oferecer plena liberdade de nós mesmos. Quer nos purificar, santificar e fortalecer através do arrependimento e da abnegação constante.
Nossa geração continua sendo uma geração de adoradores. Ela almeja insaciavelmente por algo que a embeveça, que a satisfaça. Quando uma torcida se reúne em torno de seus atletas, prostra-se, canta, ergue as mãos, adora sem saber o motivo exato, apenas ansiando experimentar a prazerosa sensação de se adorar algo. Quando diante das telas e das frenéticas imagens que incessantemente cansam seus olhos os jovens de nosso tempo excitam-se vendo corpos e ouvindo estímulos dos mais baixos e ardentes, fazem-no pela busca de sentido, pela idealização do prazer e pela sensação de libertação que existe quando descobrimos algo que nos satisfaça os apetites — exatamente como os antigos adoradores de Vênus e Afrodite. Eles não conheciam o prazer e a adoração verdadeiros, por isso contentavam-se com os falsos. A formação da sexualidade humana é fruto dos fatores biológicos e sociais que a condicionam. Se o homem permite que sua sexualidade o defina, ele perde automaticamente o domínio de sua identidade; perdendo isso, perde também o sentido de sua vida, voltando-se às qualidades mais brutas de sua natureza.
Somos seres eróticos, que gostam de sexo e precisam dele assim como precisam comer e beber. Vivemos, no entanto, numa época de indivíduos pornográficos, glutões e bêbados, que vivem em prol de suas paixões lascivas e veneram-nas como deuses acima de todas as outras coisas, inclusive da própria razão. Homens e mulheres hiper-sexuais, definidos por seus desejos íntimos, cheios de parceiros e anti-monogâmicos não são pessoas livres, mas escravas de si mesmas. Elas perderam parte de sua humanidade, tornando-se à semelhança dos animais que, não tendo controle sobre seus impulsos, vivem tão-somente para eles. Os olhos de Vênus ainda encantam essas pessoas; se elas vivessem nos tempos helênicos, entregar-se-iam em seus templos como parte da grande orgia que a adorava.
As mídias sociais levam adultos em formação à dissimulação e depravação voluptuosa assim como conseguem levar qualquer pessoa a fazer qualquer coisa — à partir do momento em que são adoradas, elas dão ordens. Ao obedecer os novos deuses, pensamos estar atendendo-nos à nos mesmos, quando na verdade somos escravos de outro. Há naquelas imagens imparáveis e praticamente inesgotáveis uma fonte eterna de estímulo capaz de manter ativo e atento o cérebro viçoso, como numa eterna masturbação; à essa fonte liga-se nossa alma, tão absorta às lentas páginas de um livro ou ao macilento nascer do sol, sendo contemplada em sua sede artificial de prazer — o vício. Viciamo-nos pelas imagens, e, num piscar de olhos, as imitamos, criando uma vida plástica como as teletelas de Orwell, o soma de Huxley ou as tevês interativas de Bradbury. Mas essa vida se resume apenas a pequenos picos de euforia; quando eles cessam, tudo volta ao negrume e ao ostracismo. É a vida fora dos templos, quando cessa a orgia e o vinho, quando os olhos de toura das estátuas não parecem mais tão belos, quando vão-se os efeitos do elixir, ou quando, assim como com Anquíses, Marte e Mercúrio depois de se deitar com Vênus, os efeitos da paixão somem após sua realização.
Pela mente escravizam-se todos os homens, desde Sodoma até aqui. Mas haverá “menos rigor para Sodoma do que para estes.” No entanto, ainda há uma luz. Se pararmos de buscar os vícios e começarmos a contemplar o imóvel, renovando a nossa mente, veremos que há muito mais prazer fora do que dentro de nós mesmos. “Não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente.” É através do intelecto, da educação da vontade e da entrega total da alma cativa a Deus que os pecadores são curados. Foi para libertar essas pessoas que Cristo veio ao mundo. Ele as convida a um arrependimento sincero, que envolve, acima de tudo, extrema abnegação. Deus não oferece uma vida liberta de prazeres, mas oferece prazeres que libertam a vida. “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” Apenas na vida em Cristo podemos ter prazer. Nela tornamo-nos seres humanos. Fora dela só há trevas, vício e morte.
Não há felicidade, nem tampouco amor no que está fora de Cristo. Nenhum deus no céu ou na terra pode nos satisfazer tanto quanto ele. Se pararmos de procurar nas telas e nos corpos a razão em cujo entorno gravita a nossa vontade tão banal, encontraremos nEle o centro da verdadeira adoração. Os olhos de Vênus podem ser atraentes, mas não são capazes de olhar fundo na alma. Ela pode ser bela, mas não é real. Pode ter rosto, mas não fala. Pode dar prazer, mas não felicidade. Em seus cultos há alegria, mas não júbilo, nem riso, nem paz. O Deus de nosso culto não tem corpo ou rosto — é desconhecido. Ele não mora em templos de pedra ou madeira, mas faz de nosso corpo sua habitação. Talvez o apóstolo pensasse nisso quando, ao visitar a congregação dos santos em Corinto, exatamente de frente ao templo de Vênus, ele descreveu o verdadeiro Deus do amor: “O amor é paciente, é bondoso […] não se ufana, não se ensoberbece, nem busca seus próprios interesses […]. Tudo crê, tudo espera, tudo suporta.”
Autor: Arthur Marco.
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